Após completar mais de 60 anos do seu lançamento, “Um corpo que cai” continua influenciando a cultura pop com a sua temática sobre obsessão, inovações nas técnicas de filmagem e toda a construção da atmosfera de mistério, que se tornou referência. De fato, Alfred Hitchcock não é chamado de “mestre do suspense” à toa, porém, no seu lançamento em 1958, a produção não fez tanto sucesso quanto outras obras do diretor, como Janela Indiscreta (1954). Entretanto, o filme passou da indiferença ao culto quando superou "Cidadão Kane", de Orson Welles, e ocupou o posto de "melhor filme de todos os tempos".
O longa nos traz a história de Madeleine, uma mulher que sofre com uma crise de identidade: ela tem visões e um comportamento estranho. Seu marido pede a John Ferguson, um detetive aposentado e que sofre de acrofobia (medo de altura), que investigue as saídas misteriosas da esposa. O marido acredita que Madeleine esteja sendo possuída por sua bisavó Carlotta, que tinha tendências suicidas. John segue Madeleine, apaixona-se pela mulher e tenta ajudá-la.
Mas o que torna esse filme tão admirável? Uma das respostas é a grande sensação de mistério que transpassa a história. Quando John começa a investigar a mulher de seu amigo, não fica claro para o espectador qual história está sendo contada ou o rumo que será tomado. Ao invés de respostas, quem assiste começa a ter muitas perguntas: qual é o segredo da esposa? E a fobia do protagonista mostrada no começo, terá importância na trama? A resposta de Hitchcock a tudo isso é um filme cadenciado, esclarecendo os fatos gradativamente, e, além de responder às dúvidas do público, apresenta outros aspectos mais profundos, como sensualidade, loucura, obsessão e cobiça.
Todos esses pequenos prenúncios de que há uma história maior por trás de tudo, prendem o público e fazem com que cada um se sinta investigador ao lado do protagonista. E Hitchcock sabia exatamente como causar essa sensação. Nesse sentido, para representar a vertigem no filme, o diretor e seu cameraman, Irmin Roberts, criaram o famoso efeito zoom out e o contra zoom: trata-se de uma combinação do contra zoom adiante e um zoom para trás, que dá a sensação de desestruturação do espaço. Tal inovação passou a fazer parte da linguagem cinematográfica, sendo utilizada posteriormente por outros diretores como Steven Spielberg, em Tubarão (1975).
Ademais, vale a pena destacar que o longa impressiona já nos créditos iniciais, criada pelo designer gráfico Saul Bass, que foi auxiliado por John Whitney, cineasta experimental. Visando recriar a sensação de mal-estar associada à vertigem, eles optam por justapor a imagem dos olhos a outras figuras fazendo com que essa escolha de elementos psicodélicos se mantenha durante toda a trama. Diante disso, Hitchcock, detalhista como era, demonstra extrema atenção a detalhes pouco perceptíveis à primeira vista, mas que funcionam como indícios sobre a complexidade de sua trama, citada anteriormente. Podemos notar, por exemplo, a importante função que as cores carregam, preenchendo o filme com uma beleza plástica assustadora, algo que pode ser atestado numa determinada cena em que há iluminação por uma luz neon verde, trazendo uma qualidade visual que ainda impressiona.
Cabe ressaltar também a forte influência do expressionismo alemão presente no longa que é proposto pelo design de produção e direção de fotografia, essa inspiração se torna visível na imagem retorcida da escadaria da torre do sino. Assim, contando uma eficiente história de suspense repleta de temas inerentes ao ser humano, usufruindo também de uma técnica visualmente chocante até para os padrões modernos, “Um Corpo Que Cai” é um dos filmes mais relevantes do diretor, que nos apresenta um romance com ares de pesadelo, onde paixão e morte seguem o mesmo caminho, e que merece ser visto por todos.
Nota do Crítico: 5.0/5.0 (Perfeito)