“Você nunca deve dizer ‘Quem está aí?', você não vê filmes de terror?”
Uma jovem faz pipoca na cozinha enquanto se prepara para ver um filme. Ela está sozinha, ou deveria estar. O telefone toca e, do outro lado da linha, um homem de voz estranha começa a fazer perguntas sobre filmes de terror. Se errar, ela morre. Essa é a premissa de “Pânico”, filme idealizado e dirigido por Wes Craven que nos anos 1990 atendeu aos anseios do público por filmes que misturassem boas doses de suspense, terror e (muitas) referências. Bem-vindos a Woodsboro, uma pacata cidadezinha do interior que carrega um legado cinematográfico que aterroriza gerações e se reinventa a cada uma delas. Não é à toa que, logo no começo do ano, uma nova produção da franquia nos entrega uma obra grandiosa, violenta e divertida, respeitando o legado de seus antecessores. Um verdadeiro presente aos fãs.
Mesmo ainda sendo difícil distinguir o que esse novo filme realmente é, “Pânico 5” continua os acontecimentos do 4º filme. Após uma série de assassinatos brutais que chocaram a tranquila cidade de Woodsboro, um novo serial killer se apropria da máscara de Ghostface. Obcecado pelos filmes “Stab”, e com a motivação do crime relacionada ao que é chamado de "fanfiction", ou "fanfic", o assassino começa a perseguir um grupo de adolescentes para trazer à tona segredos do passado mortal da cidade.
Quando Wes Craven morreu em 2015, muitos se perguntaram se veríamos um novo filme da franquia. Talvez um número considerável dessas pessoas acreditasse que definitivamente não deveríamos ter outro longa. Entretanto, para a felicidade de todos os fãs, “Pânico” acabou caindo nas mãos certas: talvez não houvesse equipe melhor para assumir as funções de direção do que Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, responsáveis também por “Casamento Sangrento”. O respeito e reverência dos diretores pela obra original é muito clara, mesclando com adições únicas e atualizadas, como o constante uso dos celulares e outras tecnologias, ao invés de um telefone, por exemplo. Ademais, o mérito para o grande sucesso do novo filme recai igualmente sobre outras duas equipes: Os roteiristas James Vanderbilt e Guy Busick - que criam diálogos afiadíssimos e de alto nível para todo o elenco - e o trabalho de maquiagem, que cumpre bem a missão de manter cada golpe desferido numa agoniante sensação de realismo, forjado para nos fazer sofrer com cada ataque sangrento.
Em termos de atuação, para aqueles que já acompanharam os filmes anteriores, sabemos que Neve Campbell, David Arquette e Courteney Cox sempre voltam como Sidney, Dewey e Gale. Nesse filme, não é diferente. Embora todos tenham seu espaço em tela, Dewey, sem dúvidas, se destaca: O ator carrega um peso dramático muito mais explorado, quando comparado às apresentações de Sidney e Gale, que são inseridas sem muita ambientação prévia. Sendo assim, com Dewey podemos entender sua nova vida, suas motivações e arrependimentos, reafirmando o apreço pelo personagem.
Nesse sentido, mesmo que os três personagens originais evoquem a sensação de nostalgia no espectador, é o novo elenco que faz a maior parte do trabalho pesado. De fato, o conceito de inaugurar uma nova geração é, na maioria das vezes, o maior objetivo desse tipo de filme, mas nem sempre é bem executado. Felizmente, esse tropeço não é visto aqui, aliás, ouso dizer que não há nenhuma performance ruim no novo “Pânico”. Melissa Barrera e Jenna Ortega, por exemplo, são incrivelmente críveis como as irmãs Carpenter, e você certamente vai torcer por elas.
Irônico e autoconsciente, filmes que exploram a metalinguagem estão em alta , mas realmente não há nenhum que o faça como a franquia Pânico. Se o filme utilizasse tal condescendência para alguma subversão, como ocorria nas produções anteriores, não haveria problema. Porém, o que vemos aqui é ainda mais curioso: ele se utiliza do comentário crítico das convenções para serem replicadas, em um tipo de autodefesa que parece covarde mas que, na verdade, brinca com opiniões externas, até mesmo quanto ao próprio nome ter sido lançado apenas como “Pânico” e não “Pânico 5”. Poucos universos conseguem tal coesão, numa abordagem que agora deve abrir espaço para uma nova linha de filmes, com menções constantes as obras da era “Pós terror”, que favorecem essa autoconsciência: O longa se inicia de forma propícia para isso, comentando diretamente o termo “terror elevado” – que é atribuído a produções como ‘’Midsommar’’ e ‘’A Bruxa’’ - . É lógico que, a fim de manter a franquia atualizada, o filme explicite, de modo muito inteligente, as hipocrisias dentro do gênero, evidenciando as diferenças entre um “terror descompromissado” como Pânico, em comparação com o terror “psicológico e sensorial”.
É inegável a influência que essa saga teve sobre uma geração que cresceu com os clichês dos anos 80. Craven, juntamente com Kevin Williamson, sobretudo, conseguiram renovar todo um gênero decadente, trazendo uma nova forma de fazer terror. E, a mais nova empreitada dessa franquia faz questão de se autodeclarar uma carta de amor ao seu criador: Com a mensagem “Para Wes”, o filme encerra com a tarefa perfeitamente cumprida, e quase impossível, de reestruturar as bases para um futuro que pode ser completamente desprendido de seus principais personagens originais de uma forma que o público ainda ficará animado. Diante de tantas tentativas em reviver grandes sagas - seja pela direção de fotografia que em seus deslocamentos conseguem emular o sadismo de Ghostface, ou pelo design de produção, que usa cenários envidraçados para expor a vulnerabilidade dos personagens - a nova produção mostra que a fórmula de seu sucesso não tem data de validade.
Nota do Crítico: 4.5 / 5.0 (Muito Bom)