Apesar de ter surgido no conto "The Forbidden", do escritor britânico Clive Barker, foi nas mãos do diretor Bernard Rose que o personagem popularizado pelo icônico Tony Todd tomou a forma que conhecemos atualmente. Graças à interpretação de Todd e a representação da desigualdade no bairro de Cabrini-Green, em Chicago, o filme original foi além do conto sobre lendas urbanas para incorporar discussões sobre preconceito e a exclusão. Nesse sentido, Nia DaCosta aprimora em seu filme os dilemas já presentes no longa antecessor, construindo uma narrativa que expande o universo visto no filme original e se sustenta por conta própria.
Enfrentando um bloqueio criativo, o pintor Anthony McCoy (Yahya Abdul-Mateen II) busca novas inspirações para os seus quadros, reconhecido por suas criações de teor social. Habitante do bairro de Cabrini-Green – negligenciado enquanto conjunto habitacional para ser explorado pelos mesmos empresários que o criaram – ao lado da namorada e curadora Brianna Cartwright (Teyonah Parris), ele resolve explorar as origens de sua região, procurando desvendar os mistérios por trás do conto de Candyman. Quando decide utilizá-lo em suas obras ,no entanto, é desencadeado uma estranha série de assassinatos.
“A Lenda de Candyman" não se distancia da estrutura de 1992, porém oferece de forma criativa vários elementos e cenas que referenciam o primeiro filme. Todavia, o espectador que não assistiu ao original não será prejudicado, pois a diretora nos apresenta um lindo trabalho com teatro de sombras para recapitular acontecimentos anteriores, trazendo uma ótima dinâmica para o ritmo da narrativa. O roteiro, co-escrito por Nia DaCosta e Jordan Peele, evidencia ainda mais o cenário que Anthony está inserido. A cada cena, vemos o artista gradativamente perdendo a noção do que é real, ao mesmo tempo em que Candyman comete cada vez mais crimes, ressaltando a qualidade do roteiro, da fotografia e do horror técnico.
O filme promove a excelente expansão do universo do clássico original, como dito anteriormente, mantendo seu texto engajado com uma discussão ativa sobre o preconceito estrutural nos Estados Unidos, nos mostrando o por que de certas ações acontecerem em 1992 e o por que voltaram a ocorrer em 2021. Diferente de “O mistério de Candyman”, que já abordava questões sociais porém de forma mais rasa, o novo longa nos entrega essa discussão através de várias esferas diferentes ao longo da narrativa - sem se prender ao nicho de filme propaganda - de maneira natural, menos óbvia e mais reflexiva, permitindo a identificação com os dias atuais.
A diretora Nia da Costa soube trabalhar bem a mudança que aconteceu na cidade de Chicago durante um período de 30 anos, construindo e desenvolvendo seu argumento a fim de ressignificar a história de modo engajado, porém pecando na mudança drástica de alguns aspectos da mitologia em torno do Candyman que já haviam sido estabelecidas para o público. Alguns fãs talvez se incomodem com o pouco espaço destinado ao terror slasher presente nesse filme, possuindo, sim, seu momento gore, porém sendo trabalhado como pano de fundo, havendo também o baixo aproveitamento da presença de candyman e uma violência gráfica mais contida, utilizada em pontos específicos apenas. Existem muitos tópicos que o filme deixa em aberto nessa nova fórmula, como por exemplo a relação do protagonista com a sua mãe, onde acreditamos que terá um grande impacto na narrativa, mas que se resume a apenas algumas trocas de diálogos.
Ademais, podemos notar que a obra, sem dúvidas, ganha novos significados pós George Floyd e a intensificação do movimento “black lives matter”. É por isso que precisamos de mais nomes negros na indústria cinematográfica, a fim de transformar a sétima arte em manifesto como forma de reflexão. De qualquer forma, ‘A Lenda de Candyman’ é um filme que vale a pena assistir, porém, como dito anteriormente, é uma crítica política e social, então esteja aberto a uma nova e surpreendente interpretação do terror.
Nota do Crítico: 4.0 / 5.0 (Ótimo)