Existem muitas obras que conseguem transmitir uma profunda imersão ao espectador, através da fundamentação desse mergulho na sua forma e seu conteúdo. Esse é o caso de “O farol”, do diretor Robert Eggers. O longa se apoia na rica ambientação desde o início, referenciando o expressionismo alemão - de onde o diretor empresta algumas concepções visuais que se transformam em uma poesia mitológica e perturbadora. Assim, Eggers vem fincando sua originalidade na indústria cinematográfica, com uma assinatura tão marcante que é curioso imaginar que se trata de um jovem cineasta em ascensão.
Thomas Wake (Willem Dafoe) e Ephraim Winslow (Robert Pattinson) são marinheiros que se encontram na embarcação de ida à ilha na qual serão responsáveis pelos cuidados de um farol. Antes disso, eram estranhos um ao outro, mas as necessidades do final do século XIX os levam a questionar os valores que cada um tem, transformando-se em um conflito na relação que precisam manter para passar os próximos trinta dias no local. Aliás, é justamente a distância do farol a qualquer outro pedaço de terra que torna o relacionamento conflituoso logo nas primeiras horas, o que os leva a tomar uma série de atitudes que beiram a insanidade.
A minuciosidade com que a equipe pensou a concepção desta obra pode ser vista logo nos primeiros momentos do filme: do tipo de lente escolhida ao modo diferenciado de revelação do longa. Particularidades que fazem a tonalidade do preto e banco e a composição dos quadros - com homenagens a diretores clássicos e à obras da história da arte - ser a força motriz que impulsiona o primeiro papel de imersão que “O Farol” propõe, conduzindo o público a sentir a contínua presença de um grande mal na ilha. A claustrofobia, então, é o elemento primordial de preparação para que os instintos primitivos desses indivíduos venham à tona posteriormente.
Para intercalar com o ambiente barulhento e aterrador, a história escrita por Max e Robert Eggers leva o espectador a sucessivas digressões ao álcool, algo que parece relaxar os personagens e permitir expor ao público momentos de vulnerabilidade. Há um silêncio desconfortável em tudo o que acontece, desde as tarefas diárias como a limpeza e alimentação, até a manutenção da luz no topo da construção, onde Dafoe parece manusear de forma quase que erótica, reforçando os simbolismos presentes na obra. Entretanto, o silêncio é inevitavelmente quebrado com a incômoda trilha sonora composta por Mark Korven, uma mistura de sons metálicos e graves que dialoga com as condições climáticas aterrorizantes do lugar - literal e metaforicamente.
Durante essa experiência conduzida de maneira fascinante por Eggers, Dafoe é o guia: o homem mais experiente que aparentemente tem o controle de tudo o que acontece no lugar. Ele tem muitas histórias pregressas e uma forma nada simpática de tratar o novato. Sua transformação é suave, com poucos momentos de explosão que, quando acontecem, são hipnotizantes. Robert Pattinson, por sua vez, carrega um personagem mais difícil, porque precisa manter uma característica principal, o silêncio, diante da insanidade que o consome. Ele consegue passar nuances de maldade em suas expressões e, principalmente, nas atitudes em relação ao seu parceiro. Nesse processo, a essência polida de nossa espécie está livre para agir, não sob uma norma social, mas pela ausência desta.
Já o farol, como parte fundamental da obra, sempre está atrelado a algo parcialmente abstrato. Aliado ao intenso barulho do vento, do mar cada vez mais revolto e dos maquinários - excelente trabalho de som aqui - o monumento torna-se um fantasma, destinado a tornar tudo mais árduo.
Nota do Crítico: 5.0/5.0 (Perfeito)