Acompanhar os últimos anos do Universo Cinematográfico da Marvel gerou nos fãs uma expectativa crescente diante dos futuros lançamentos. A grandiosidade de produções como “Guerra Infinita” e Ultimato criou a sensação de que a próxima história tem que ser ainda mais épica, alimentando uma sombra que parece perseguir todas as novas produções dessa Fase 4. Essa empolgação nos faz esquecer que, às vezes, um lançamento como esse, que carrega tanta bagagem dos seus antecessores, precisa diminuir seu ritmo para que possa avançar novamente — e é por isso que “Eternos” pode soar desinteressante para muita gente.
No longa, acompanhamos um grupo de dez seres superpoderosos que vieram para a Terra em uma missão específica, dadas pelo ser Celestial Arishem (voz de David Kaye): acabar com a ameaça dos monstros Deviantes e, no processo, ajudar a humanidade a evoluir sem se envolver em seus conflitos. Eles chegam ao mundo nos primórdios da civilização humana e, com o passar do tempo, se moldam à cultura do planeta, apegando-se e se misturando aos seus protegidos.
Para começar esse texto, é impossível não discutir brevemente a respeito da carreira invejável da diretora Chloé Zhao: em seus filmes anteriores, o interesse estava sempre no refinamento e desenvolvimento de um ou dois personagens, no máximo. As construções sempre levaram em conta o impacto da localização na rotina e nas tarefas do dia a dia, aliado a um excelente trabalho narrativo. Nesse sentido, quando o estúdio da Marvel chamou a diretora para dirigir “Eternos”, claro que as expectativas eram enormes. Entretanto, ao observar toda a sua filmografia, a nova produção representa, de certa forma, uma ruptura em todos os sentidos. A começar pela nova abordagem que Chloé explora nesse universo - visto que ela sempre trabalhou com “micro histórias” - enquanto que o novo longa tem que lidar com o “macro”, além de promover a consolidação de diversos personagens dentro da trama, típico dos filmes do estúdio.
A escolha do elenco talvez seja o ponto de maior destaque desse filme, com um reconhecimento especial para Sersi, interpretada pela atriz Gemma Chan. É válido destacar também o aproveitamento de Salma Hayek e Angelina Jolie: Enquanto a primeira apresenta ao espectador objetivos mais claros - sendo pontuada como uma liderança na história - Jolie passa por um período de transição até mesmo em seu envolvimento nas cenas de combate. A impressão passada ao público é a de que a diretora busca, na figura de Angelina, algum tipo de segurança, dada a longevidade da sua carreira e experiência, quando comparada aos colegas de elenco. A figura de Kingo, interpretado pelo ator Kumail Nanjiani, por outro lado, acaba não sendo tão bem aproveitado quando merecia, servindo apenas como um alívio cômico, que se torna forçado em alguns momentos.
Ademais, o longa também nos entrega dois pontos muito divergentes entre si mas que, na realidade, deveriam se conectar: a fotografia se destaca em aspectos naturais, como por exemplo na ambientação esplêndida, banhada ao pôr do sol, constantemente em foco. Por outro lado, a trama se torna relativamente longa - o que não é um problema quando bem desenvolvida - todavia, há em alguns momentos um desgaste quando o filme tenta situar e articular cargas de tensão e emoção durante os combates. Diante disso, por conta da necessidade de desenvolvimento e inserção de inúmeros personagens novos, “Eternos” busca continuamente por marcações temporais esdrúxulas, indicando a desorganização da montagem, que não apresenta tanto esmero por parte da diretora como ela costuma dar a seus filmes - e como foi dado aos efeitos visuais da obra em questão.
Em vista disso, a ideia de interferência ou não dos heróis nas questões humanas é muito interessante, entretanto, na prática, o desenvolvimento dado a esse ponto do filme não foi o suficiente, talvez demandando mais tempo. A marca autoral de Chloé é perceptível em - ouso dizer - apenas três coisas desse filme: abordagens mais íntimas, um número menor de personagens e a falta de necessidade de tramas secundárias como apoio argumentativo. Entretanto, é necessário ressaltar que esse problema não se deve tanto a ela, e sim a toda a questão do controle do estúdio e liberdades criativas propostas por ele.
Apresentando um enredo complexo e por vezes arrastado, grandes personagens e um escopo monumental, Eternos acaba se destacando dentro da extensa filmografia da Marvel Studios. Trata-se de uma obra mais humana, representativa e, certamente, a tentativa mais autoral desde “Guardiões da Galáxia” (2014), oferecendo em alguns momentos o frescor que a franquia ocasionalmente necessita. Nesse sentido, o esforço de Chloé e sua equipe para transformar uma obra tipicamente comercial em uma obra de arte é notável, não seguindo o padrão do gênero de super heróis e tornando-se, assim, uma obra experimental para produções futuras.