Natal, a época nostálgica onde um clima mágico paira sobre nós. E isso não podia ser diferente com os cinéfilos de plantão. Nessa época do ano, quem não se lembra instantaneamente do - ouso dizer - maior clássico natalino do cinema? “Esqueceram de mim”, de 1990, é um prato cheio para os amantes do natal e da sétima arte, misturando humor e ingenuidade através de Macaulay Culkin e os dois ladrões atrapalhados. Nesse sentido, a história tem todos os elementos possíveis para chamar a atenção do público e, mesmo com alguns exageros, falhas narrativas e trama genérica, consegue divertir em todos os aspectos, afinal, quem não gosta de uma história leve e um escopo moral para coroar a data?
O enredo é bastante simples, quando o levado Kevin McCallister, de oito anos de idade, não se comporta na noite anterior a uma viagem da família para Paris, sua mãe o faz dormir no sótão, e ele deseja que sua família não estivesse em casa. Após os McCallisters irem para o aeroporto sem Kevin, que acorda e acredita que o seu desejo de não ter família se tornou realidade, ele percebe que dois vigaristas planejam roubar a residência. Sozinho, ele precisa proteger a casa da família destes atrapalhados ladrões.
Apesar da constante martelada na questão familiar e seus aspectos ético-morais, o filme explora com louvor o universo infantil, utilizando a câmera inquieta do diretor Chris Columbus como fator destaque dessa representação. Assim, vemos Kevin McCallister esconder-se debaixo da cama quando tem medo, comer tudo o que os pais proibiam, quebrar coisas, fazer chantagem, ter rompantes de “maturidade”… tudo o que o comportamento infantil de crianças da idade do personagem normalmente faz. Essa verossimilhança e a maneira como é abordada pelo roteirista John Hughes nos faz esquecer os deslizes ocorridos no desenrolar da trama.
Ademais, boa parte do filme é rodado dentro da casa da família, o que nos dá uma sensação de isolamento interessante e que combina bem com a proposta do filme. Esse é o espaço da solidão mas também de cenas teatralizadas, como a sequência de abertura que, apesar dos diálogos dramáticos, possui uma dinâmica exemplar dos atores em movimentação pelo quadro, além de ser a segunda parte do filme com melhor montagem — a outra é a parte das armadilhas de Kevin pela de casa – apresentando uma violência bastante cartunesca, casando perfeitamente com a atmosfera do longa. Igualmente, vale destacar o trabalho de desenvolvimento dos dois ladrões dispostos a invadir a casa do garoto: com representações bem caricatas, os personagens ajudam a enfatizar o caminho que o longa se propôs a percorrer. Funcionando muito bem.
Além disso, o uso de closes nas inúmeras caretas e nos diversos gritos de Macaulay Culkin busca valorizar ao máximo o protagonista, o que se revela uma estratégia inteligente, ao colocá-lo numa posição vulnerável e, desta forma, conquistar a empatia da plateia com tranquilidade. É claro que o carisma de Culkin é crucial neste processo e, mesmo sendo ainda tão jovem, o garoto se sai muito bem, carregando a narrativa com naturalidade. Seu rosto angelical evoca uma aura de inocência que tornará ainda mais surpreendente para o espectador sua sádica estratégia para proteger a casa, sendo a força motriz para o filme funcionar tão bem como comédia.
O enredo extremamente simples, juntamente com as sacadas da direção e roteiro, é a desculpa perfeita para uma sucessão de sequências divertidíssimas em todos os trechos da narrativa, fazendo com que ações um tanto quanto absurdas se tornem críveis dentro da história. Assim, o desfecho adocicado combina com a temática volúvel e é condizente com as comédias desta época anual. De fato, um dos principais êxitos que Chris Columbus conseguiu com a sua obra foi desenvolvê-la de uma maneira totalmente despretensiosa e que não tinha medo de utilizar o humor físico.
Esqueceram de Mim é um marco natalino que certamente esteve presente na vida das últimas gerações com a maior graciosidade e “maldosa inocência” possível. Não é um filme livre de erros mas é uma comédia muito amável, daquelas que ninguém cansa de assistir e que passa sempre na televisão. Diante de uma premissa que, de tão absurda, deixa evidente desde o princípio que não pretende ser levada a sério, ela funciona como um leve passatempo que busca simplesmente nos fazer rir, e isso é mais do que suficiente. Um daqueles conjuntos em que o acerto se torna inesquecível, resultando em uma referência cinematográfica de como fazer um filme de natal disposto a permanecer no coração de todos.