No Globo de Ouro de 2016, sob aplausos de uma multidão de astros do cinema, Sylvester Stallone emocionou a todos dizendo: “Quero dedicar este prêmio a meu amigo imaginário, Rocky Balboa, por ser o melhor amigo que alguém pode ter”. Ao assistir aquela cena, comecei a refletir sobre a sorte que tinha por ter acompanhado o crescimento desse personagem, que se tornou, também, meu grande amigo. Há alguns anos atrás eu tive essa oportunidade fantástica, uma experiência que certamente marcou a minha vida: assistir Rocky pela primeira vez. Naquela época, só me importei com as lutas e as cenas de treinamento, não consegui enxergar como o filme era muito além daquilo. Mas, independente da profundidade com que tinha captado a história, uma coisa eu tinha certeza: um amor incontrolável por essa franquia pairou sobre mim. Afinal, quantas pessoas gostariam de ter uma chance na vida para mostrar o seu verdadeiro potencial e jamais o fizeram, porque a sociedade raramente oferece essa oportunidade? Muito mais que um filme sobre boxe, “Rocky, um lutador” aborda questões delicadas de forma simples, corajosa e surpreendente, permitindo refletir sobre o peso do cinema na formação de todos nós.
Para quem não conhece a história – algo que julgo quase impossível, Rocky Balboa é um lutador amador que ganha a vida transitando entre brigas no ringue e sendo capanga para mafiosos da Filadélfia. Porém, sua vida muda completamente ao receber um convite inesperado para lutar contra o campeão da liga mundial, Apollo Creed. O homem de gosto simples, fala arrastada e traquejo social enrustido, aceita o convite que mudará sua trajetória.
A grande força motriz dentro desse filme é, com certeza, Sylvester Stallone - na época, desconhecido pelo grande público - oferecendo aquele que talvez seja um dos melhores trabalhos de sua carreira, conseguindo emular uma atuação no melhor estilo “gente como a gente”, fazendo com que a maioria das pessoas, em algum momento, se visse na pele da personagem. Escrito e dirigido pelo próprio ator, podemos notar que o longa se trata de um projeto pessoal, que reflete sua miséria e posterior tentativa de redenção, construindo um personagem intimista, capaz de se conectar com o espectador ao ponto de enxergarmos Balboa como alguém real: um avô, um tio, um pai. Além disso, o filme consegue criar momentos inesquecíveis, como o treinamento de Rocky, recheado de belíssimos planos com o lutador correndo na beira da água e subindo as escadarias, erguendo os braços com a cidade ao fundo - cena recriada até hoje por todos que visitam a cidade - marcando sua atemporalidade.
Tudo se torna mais próximo ao espectador devido ao estilo nada refinado do longa, apresentando ideias corajosas à época: machismo, desemprego, repressão sexual, violência contra a mulher, crime e solidão. Os subúrbios mal iluminados da Filadélfia evidenciam a técnica “grosseira” que contribui perfeitamente para o tema proposto. Aliás, todas essas rugas conferem seu status único. Ademais, são também os pequenos detalhes que favorecem a obra ser tão grandiosa quanto ela é: observe como Rocky soca o ar constantemente, como um lutador de boxe provavelmente faria, além de andar sempre com os ombros em movimento, como se estivesse prestes a desferir um soco em alguém, ou a fotografia que destaca propositalmente cores como o marrom o preto e o azulado, criando muitos ambientes escuros que refletem a vida daquelas pessoas amarguradas e à margem da sociedade hipócrita.
Ao longo de duas horas de filme, nos habituamos com o mundo em que o personagem vive, acompanhada por uma trilha sonora que viria a ser uma das maiores e mais enérgicas da história do cinema. “Gonna Fly Now'', composta por Bill Conti, merece destaque por ser brilhantemente trabalhada em diferentes tons, retratada inicialmente de forma lenta e melancólica, refletindo o momento de Rocky, que é mergulhado nas sombras da rua, e, posteriormente, no momento de glória do personagem, aparece em sua composição original. De fato, poucas músicas tem o poder que essa consegue despertar em cada situação específica do longa.
No fim das contas, “Rocky - Um lutador" é uma grande metáfora da vida. Essa que nunca acharemos um significado concreto, quanto mais vezes assistimos, mais nuances descobrimos. Um filme que nos ajuda a entender que podemos apanhar moralmente, fisicamente ou intelectualmente e mesmo assim devemos nos levantar e seguir em frente. Aliado a isso, Stallone se consagrou como uma espécie de guardião de uma cultura hoje fossilizada: o costume dos heróis que se auto sacrificam em prol do outro. Um tempo em que os homens não eram medidos pela sua impotência e sim pela força de arriscar. Os créditos sobem. As lágrimas caem. Mas o gongo ainda não soou, Rocky Balboa ainda mantém seu legado de pé.
Nota do Crítico: 5.0/5.0 (Perfeito)